A LUA E O QUEIJO : AS PESCARIAS NA BARRAGEM DE CARMO DO CAJURU

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

AS PESCARIAS NA BARRAGEM DE CARMO DO CAJURU




Quando meu pai viajava de trem para ir pescar na barragem de Carmo do Cajuru, ele voltava no mesmo dia, e por isso eu sempre ia com ele.
Viajar com meu pai de trem para ir pescar na barragem de Carmo do Cajuru tinha um lado muito bom e o lado meio ruim. O lado bom era que a gente ia de trem até a cidade de Carmo do Cajuru, ou Cajuru, como nós a chamamos aqui. E essa viagem era mesmo incrível. Toda viagem de trem eh. A gente ia para a estação quatro horas da manhã. Esse era o horário que o trem passava por Divinópolis, vindo de Brasília, com destino a capital Belo Horizonte.


E antes das quatro da manhã a gente já estava na estação de trem. Eu, meu pai, o irmão dele, amigos do meu pai e as vezes um irmão meu. Algumas vezes o trem atrasava. Na verdade na verdade, a maioria das vezes que fui com meu pai pescar em Cajuru, o trem sempre passava atrasado. E a gente ficava ali na estação esperando. As vezes eu até dormia no banco da estação. Só uma vez que o trem estava muito atrasado e meu pai desistiu da pescaria e voltamos pra casa.


Depois que a gente entra no trem e o chefe da estação diz que o trem vai partir, eh meio mágico o momento. Pena que Cajuru fica próximo de Divinópolis e a viagem não dura muito tempo. Uma a duas horas, se me lembro bem. Estar na janela do trem enquanto esta viajando, podemos ver e imaginar de tudo. Ver as árvores que parecem estar se movimentando, as mais próximas do trem que parecem se movimentar mais rápidas. Ver crianças nas portas das casas quando o trem passa próximo a elas, assim como o trem passa próximo a nossa casa. As crianças sempre acenam pra gente e claro, eu aceno de volta. Eh muito legal.


Depois que chegamos em Cajuru, a gente tem que ir a pé até a barragem. E não eh perto, mas eu vou brincado na estrada de terra empoeirada onde quase não vemos carro passando. Meu pai vai mostrando as frutas que tem no mato que beira a estrada e dizendo quais eu posso pegar e comer. Tinha um tal de Milho de Grilo que era muito bom. Tinha época que a gente ia na barragem e o mato estava repleto de Milho de Grilo e eu fazia a festa apanhando uma grande quantidade e ia comendo pela estrada afora.
Enfim a gente chagava na barragem de Cajuru. Era água a perder de vista. Meu pai chegava e já ia pescar. Ele, seus amigos e irmão. Meu pai recomendava que eu não chegassem nem próximo da água. Eu ficava debaixo de uma árvore que tinha próximo dali. Meu ficava pescando e sempre me observando. Mas ele nem precisava fazer isso, primeiro porque eu não sabia nadar e tinha medo de água. Segundo porque brincar ali na areia debaixo daquela grande árvore já era tudo de bom. 


Meu pai e todos que estavam pescando por ali, as vezes quando chegamos na barragem já tem algumas pessoas pescando, nunca ficam parados no mesmo lugar. Eu me distraia brincando e quando procurava por meu pai ele já estava mais distante. Ele e todos os outros. Quando algum pescador que já estava pescando ali levava algum filho seu, a gente brincava sempre junto. Mas não era sempre que tinha alguma criança ali. As vezes meu pai demorava para voltar. Outras vezes não demoravam e quando isso acontecia, eles chegavam perto de mim dizendo que a gente ia para a Pedra do Calhau.
Todas as vezes que eles não conseguiam pegar peixe onde a gente estava, eles iam para a tal Pedra do Calhau. E assim a gente tinha que andar bastante. O legal que a maioria do caminho era acompanhando as águas da barragem de Cajuru. A pedra do Calhau eh um lugar muito bacana. E ali sempre meu pai pegava muitos peixes. Eu achava engraçado eles ficarem falando dos peixes que pegaram. Se eles estavam juntos, não entendia porque um falava para o outro do peixe que pegou se o outro viu. E assim eles ficavam falando e riam muito.


Antes do sol se por meu pai dizia que já era hora de ir embora. Ele dizia que o trem poderia não atrasar e a gente não podia perder o trem. Que eu lembro, todas as vezes que chegamos na estação de Cajuru, para voltar, o chefe da estação diz que o trem está atrasado. E eu ficava dormindo no banco da estação esperando o trem. Acho que o trem só andava atrasado mesmo. 
Lembra quando eu disse que viajar com meu pai para ir pescar na barragem de Cajuru tinha dois lados? Pois eh. O lado meio ruim era a volta. Andar todo aquele caminho de volta não era a mesma coisa quando a gente estava indo. O sol vai sumindo e depois que some vira uma escuridão danada. Eu não conseguia ver quase nada. Só quando tinha lua cheia que a gente via alguma coisa. E a cidade de Carmo do Cajuru parecia que nunca ia chegar. Eu chegava a pensar que a gente estava no caminho errado.


As vezes, a gente dava sorte de passar um caminhão e ele parar para dar corona pra gente. Era muito bom viajar na carroceira do caminhão. Mas isso era muito raramente. Algumas vezes, quando a gente estava voltando, vinha a chuva e a estrada virava um monte de lama com poça de água pra todo lado. Embora na chuva eu sentia muito frio, eu gostava de andar debaixo de chuva. Na estrada de terra então, que virava lama pura, era melhor ainda. Sempre quando chovia na volta, eu gostava e não via nada de ruim. Só quem não gostava era minha mãe, quando eu chegava em casa cheio de lama na roupa.


Ao longe meu pai mostrava as luzes da cidade de Cajuru. Era um alívio pra mim que já pensava estar no caminho errado. Enfim a gente chegava em Cajuru. Na estação o chefe de trem já dizia que o Misto, era assim que ele chamava o trem, estava atrasado. Era quase sempre assim. Então eu deitava no banco da estação e dormia enquanto meu pai ficava conversando com os amigos e irmão dele. Quando o trem chagava, meu pai me acordava e a gente voltava pra Divinópolis. Na viagem de volta eu não via nada, pois ia dormindo. Chegava em casa tarde da noite, já deveria ser umas nove horas. 



Mesmo sem chuva ou com ela, mesmo com os atrasos do trem, mesmo tendo que andar mais para ir na Pedra do Calhau, mesmo dormindo no banco da estação, mesmo chegando tarde em casa e as vezes todo sujo de lama, as viagens para pescar com meu pai na Barragem de Carmo do Cajuru, sempre foram minhas preferidas e inesquecíveis. 






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