Minha mãe arrumou um emprego para mim na cidade. Eu iria ser o entregador no Armazém do Sr. Luiz que ficava na Rua Minas Gerais.
Quando comecei a trabalhar no Armazém do Sr. Luiz eu tinha uns doze anos. Fui trabalhar neste Armazém porque o antigo funcionário iria sair. E foi este antigo funcionário que me ensinou o serviço. Ensinar eh um modo de dizer, porque tudo que eu tinha que fazer era varrer o Armazém e as entregas para os clientes. Parece simples ter apenas que fazer entregas, mas em uma bicicleta de carga, fazia muita diferença.
Primeiro porque eu não me dava bem com bicicletas de freio contra-pedal, os acidentes com minha bicicleta Peugeot francesa deixavam isto bem claro. Segundo porque o peso das compras iam na frente da bicicleta e eu era o contra-peso. Então, doze anos, meio esquelético e sem experiência neste tipo de bicicleta, seria natural que algumas entregas não fossem bem sucedidas. Bem, na verdade, a primeira entrega já deu problemas. A segunda, a terceira e a maioria das outras também. Em nenhuma das vezes a culpa foi minha.
A primeira entrega foi na praça do Mercado Central. Eu só tive que empurrar bicicleta até a Avenida da Independência (Hoje Antônio Olímpio), porque eh uma subida, e lá, montei na bicicleta e fui até a praça do Mercado Central. Da Rua Minas Gerais até a Praça do Mercado Central a Avenida da Independência eh praticamente plana. Não foi difícil. Achei que fui bem até que ao retirar as mercadorias da bicicleta vi que praticamente todos os ovos tinha quebrados.
Bicicleta de carga
As mercadorias no armazém eram vendidas a granel, isto eh: você comprava o quantidade que queria. Elas eram colocadas em saquinhos de papel. Assim os ovos quebrados molharam os saquinhos do arroz e do açúcar que furaram e deixou vazar ambos. A dona das compras ligou para o Sr. Luiz que mandou eu levar o que tinha perdido de volta para o armazém. No armazém o Sr. Luiz pesou o arroz, o açúcar e pegou novos ovos e mandou que eu levasse novamente, mas desta vez mandou que eu fosse a pé. Nem era tão longe assim.
Uma outra entrega foi no bairro Porto Velho. Na saída da ponte para o bairro Porto Velho eh um a subida muito forte. Claro que eu fui de bicicleta até o começo do morro. Depois eu teria que empurrar a bicicleta morro acima. A rua era muito íngreme, a bicicleta estava pesada, eu não tinha forças suficiente para subir aquela rua empurrando a bicicleta. Então a bicicleta voltou um pouco e caiu. No cair, a maioria das mercadorias caíram na rua. Arroz, açúcar, feijão, farinha e várias outras coisas. Os saquinhos de mantimentos estouraram e acabaram caindo quase tudo na rua.
Eu meio que desesperando, tentei pegar com as mãos os mantimentos e colocar de volta nos saquinhos. Mas nem assim daria certo, os saquinhos tinham rasgados. Nisto aparece um pedestre para me ajudar a levantar a bicicleta e colocar o que deu para pegar de volta no compartimento de carga da bicicleta. E voltei para o armazém com a compra quase toda perdida. O Sr. Luiz disse que a culpa desta vez era dele por acreditar que eu conseguiria empurrar a bicicleta com a carga na subida do Porto Velho. Que ele deveria ter percebido que eu não conseguiria. O Sr. Luiz arrumou tudo novamente e pediu outra pessoa para fazer esta entrega para ele.
Depois de algumas entregas bem sucedidas e quase nenhuma com problemas, o Sr. Luiz disse que ia almoçar e me deixar tomando conta do armazém. Ele nunca tinha feito isso. Ele disse que seria só por uns vinte minutos. Disse que na hora do almoço geralmente não aparecia nenhum cliente ali. Ele foi almoçar e eu fiquei ali me sentindo como um proprietário, todo feliz. Nisto chegou uma menina que deveria ter minha idade. Ela era loira, muito bonita e chegou dizendo que queria duzentas gramas de bolacha Maria.
Morro do Porto Velho ao fundo da foto
Eu fiquei admirado com a beleza desta menina e fui pesar as bolachas me sentindo muito importante por estar tomando conta do armazém. Pesei as bolachas e entreguei para esta menina que estava sempre sorrindo e eu sorrindo de volta para ela. Ao entregar para ela as bolachas e assim que fui dizer o preço, ela saiu correndo com as bolachas. Eu fiquei parado sem saber o que fazer. Na verdade não fui nem lá fora ver para onde ela estava indo. Fiquei parado tentando entender o que tinha acontecido.
Pouco tempo depois o Sr. Luiz chegou do almoço e perguntou se tinha aparecido alguém para comprar alguma coisa. Eu tentei disfarçar, mas não conseguia e então ele disse que era para eu falar logo o que tinha acontecido. Eu contei para ele o ocorrido. O Sr. Luiz então disse que eu tinha ficado sozinho só por vinte minutos, como era possível ter acontecido alguma coisa em vinte minutos. Disse que era impressionante como tudo acontecia comigo. Dizia que as coisas mais improváveis sempre aconteciam comigo. Dizia que eu era um chamarisco para o inusitado.
Não fiquei muito tempo trabalhando como entregador no armazém do Sr. Luiz. Alguns dias depois do episódio da bolacha, ele arrumou outra pessoa para trabalhar de entregador e me despediu. Mas durante meu trabalho como entregador eu conheci Arlete Bianque Brasil, a esposa de um dentista que tinha o consultório quase em frente ao armazém. Eles moravam em um casarão que tinha na Rua Rio de Janeiro. Ela me chamou para trabalhar de jardineiro na casa dela e eu aceitei.
Rua Rio de Janeiro
Mas eu trabalhei para ela só um mês ou mês e pouco, porque briguei com o filho mais novo dela. Então ela me demitiu.
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