A LUA E O QUEIJO : O PRIMEIRO EMPREGO SEMPRE EH O DE ENGRAXATE

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

O PRIMEIRO EMPREGO SEMPRE EH O DE ENGRAXATE




Em uma casa com dezoito filhos, assim que você consegue, você já começa a trabalhar. E o primeiro serviço eh de engraxate.



Foi assim com todos os meus irmãos. Ao completar sete anos, ia para a cidade engraxar sapatos. A caixa de sapatos que meu pai fez para meu irmão mais velho, foi passando de um por um e agora chegou minha vez. Sou o último dos filhos a engraxar sapatos. E o local onde a gente ficava engraxando sapatos era na esquina da Rua Goiás com Avenida Primeiro de Junho. Ali que circulava o maior número de pessoas. Mas não eram muitas pessoas assim. 


No início eu andava com a caixa de engraxate pelas ruas de nossa Vila. Ia muito até a rua V, pois lá tinha a padaria, um barzinho e a ABFD. Muitas pessoas passavam por ali. Na maioria das vezes eu não engraxava sapatos de ninguém. Como eu já estava indo na escola, meu pai disse que eu já podia ir para a cidade, pois eu já conhecia o caminho, e assim eu engraxaria mais sapatos. Então fiz como meus irmãos, fui para a esquina da Rua Goiás com Avenida Primeiro de Junho. Eu ficava com a caixa de engraxate próximo a esta esquina, esperando alguém que interessasse em engraxar os sapatos. 


Eu tomava o café da manhã e partia com  a caixa de engraxate para a cidade. Encostava a caixa na parede do banco que tinha na esquina e ficava por ali brincando, esperando alguém me chamar para engraxar seus sapatos. As vezes eu até esquecia que estava ali trabalhando de engraxate, e quando dava por mim, estava bem longe de onde eu tinha deixado a caixa de engraxate. Voltava e a caixa estava lá no mesmo lugar, ninguém nunca pegou minha caixa. E foram muitas vezes que me distraí e quando me dei conta estava em outra rua, longe do banco. 


Meu pai dizia que eu não engraxava sapatos de ninguém porque eu não ficava perguntando as pessoas se elas estavam precisando engraxar os sapatos. Que eu me lembro, eu sempre perguntava para um dois homens que passavam ali. Como a resposta era sempre não, eu acabava que ficava brincando por ali, sempre esperando alguém vir até mim para engraxar os sapatos dele.
As vezes quando o avião passava jogando papel, eu corria para pegar o máximo que podia. Só depois voltava para onde estava minha caixa de engraxate. Quando a sirene da Oficina da Ferrovia apitava faltando cinco minutos para onze horas, era o sinal que eu tinha que voltar pra casa para almoçar. Depois do almoço tinha que ir para a escola. Muitas vezes eu nem ouvia a sirene e só lembrava dela quando via meu irmão que tinha ido me buscar, gritando para mim que a sirene já tinha tocado a muito tempo. Eu nunca conseguir ganhar dinheiro engraxando os sapatos dos outros.


Talvez porque as pessoas não acreditassem que eu conseguiria engraxar os sapatos corretamente, por ser muito novo. Havia outras pessoas mais velhas que faziam o mesmo. Talvez porque engraxando os sapatos comigo eles teriam que ficar de pé, pois eu não tinha cadeira para que se sentassem. Já era difícil para mim carregar a caixa de engraxate e mais uma cadeira eu não conseguiria. Os outros engraxates tinham cadeiras. Talvez porque eu não engraxasse direito. Os outros já engraxam a muito tempo e engraxavam muito bem. 
Ou talvez porque meu pai tivesse mesmo razão, quando dizia que eu vivia no mundo da lua, era desastrado, qualquer coisa me distraia e não sabia fazer nada direito.



DA JANELA DO TREM VOCÊ CONHECE O MUNDO



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