Uma das viagens para o rancho em Furnas que ficou marcada nas lembranças foi com o Vitinho e foi para resgatar nossa família.
O Vitinho sentado em uma de suas pescarias em Furnas
Meus pais e minha irmã Fabiula foram para o Rancho do Sr. Aírton em Santo Hilário passar uns dias. Eles foram de ônibus até Pimenta e lá pegaram um ônibus que estava fazendo a linha Pimenta / Guapé. Foram para ficar uma semana. Saíram na segunda feira e voltariam na sexta feira, porque eram nestes dois dias que tinha o ônibus que fazia a linha Guapé / Pimenta.
Mas durante a semana começou a chover. Chovia o dia inteiro e a noite também. A chuva não dava sinais de que ia parar. Com isso, a estrada de terra que ligava Pimenta até Guapé passando por Santo Hilário, ficou intransitável devido a quantidade de lama que se formara. O ônibus que fazia esta linha suspendeu as viagens por não ser possível trafegar. Era preciso parar de chover e abrir sol durante o dois dias para que fosse possível usar a estrada novamente. Mas isso não aconteceu. A chuva continuou até o final de semana.
No Rancho do Sr. Aírton não tinha como se comunicar com ninguém. Assim, meu pai, minha mãe e minha irmã ficaram isolados e sem poder voltar e eles precisavam vir embora. Chegou sexta feira a noite e meus pais não apareceram em casa. Se eles não viessem sexta, só poderiam vir segunda feira, quando tinha o ônibus, mas minha mãe tinha encomendas de salgados e ela nunca deixou de fazer uma encomenda, ainda mais sem avisar que não faria.
Meu irmão mais velho, o Vitinho, sabia que chovendo sem parar não era possível sair do Rancho. Então ele me chamou para que a gente fosse tentar resgatar nossos pais e irmã. Que eu me lembro, o Vitinho sempre teve carro. Lembro que ele tinha um Chevrolet Caravan, mas não sei se fomos neste carro para furnas. O fato eh que eu e ele fomos para furnas para buscar nossos pais e nossa irmã.
Chegamos em Pimenta sem problemas, a rodovia era toda asfaltada. Em Pimenta o Vitinho foi pegar a estrada de terra para Santo Hilário. Na entrada da estrada de terra havia vários carros parados, pessoas ali olhando a estrada e dois carros já atolados na lama pouco a frente. Nós paramos o carro e fomos conversar com as pessoas que estavam ali. Meu irmão falou que precisava ir até o rancho em Santo Hilário, mas as pessoas ali disseram que só um maluco arriscaria ir. Não estava passando nem ônibus e nem caminhão. Mas o Vitinho falou que ia arriscar e iria trazer nossos pais e irmã.
As pessoas falando para ele não ir, que ele não iria conseguir, que era melhor esperar mais um dia, mas o Vitinho disse que ia conseguir ir e voltar com nossa família. E foi. Entrou com o carro na estrada de terra que era lama pura. Já no início o carro deslizava de um lado a outro, mas o Vitinho não parou e continuou acelerando. Algumas vezes o carro deslizou e chegou a encostar no barranco, mas não parava. Algumas partes desta estrada tem uns abismos bem profundos, outras partes tem paredões de pedras. O Vitinho foi passando por todos eles com o carros as vezes andando quase de lado.
Depois de uns dez minutos dirigindo nós vimos dois homens indo a pé pela estrada. Estavam cobertos de lama. A lama da calça ia até os joelhos. Quando viu estes dois homens o Vitinho falou comigo que ia dar carona para os dois. Porque se o carro ficasse atolado teria mais ajuda para empurrar. O Vitinho passou por eles e parou um pouco a frente, onde tinha matos na lateral da estrada. Os dois homens vieram até a gente e não acreditaram que o Vitinho estava conseguindo trafegar na estrada.
Eles disseram que estava indo para Santo Hilário. O Vitinho ofereceu carona e disse que ia até a Fazenda do Sr. Cotinho. A entrada da fazenda do Sr. Cotinho eh a mesma do Rancho e fica a uns dez quilômetros antes de Santo Hilário. Este dois homens embarcaram no carro e seguimos viagem. Estes dois homens ficaram falando que ninguém nunca tinha conseguido passar naquela estrada do jeito que ela estava. O Vitinho disse que ia até o rancho, só pegar meus pais e irmã e a gente ia voltar. Eles não acreditaram muito que ele conseguiria. Mas chegamos.
Eu e meu pai na cozinha do rancho de Furnas em Santo Hilário
A casa do rancho que foi reconstruída recentemente
O Vitinho parou o carro na porteira da fazenda, os dois homens seguiram a pé para Santo Hilário, eu e o Vitinho descemos a pé para o Rancho, fomos correndo na verdade. O carro não podia descer até lá, porque ele não subiria de volta devido estar chovendo. Fomos descendo a estrada que leva ao rancho correndo e quando chegamos na porteira do rancho, nosso pai olhou assustado vendo a gente ali. O Vitinho disse que era para arrumar as coisas rapidamente para a gente ir embora porque estava ficando cada vez pior a estrada.
Meu pai não acreditava que o Vitinho tivesse ido até lá e conseguido chegar para buscá-los. Minha mãe disse que a Fabíula tinha dito que o Vitinho viria salvar a gente e ele vinha comigo. Minha mãe disse que ela falava isso o tempo todo. E foi como aconteceu. Depois das malas arrumadas fomos para a estrada. Entramos no carro e o Vitinho dirigiu fazendo o mesmo zig zag na lama. Voltamos para Pimenta. Quando chegamos, as pessoas que ainda estava ali com carros atolados ou aguardando a estrada melhorar para passarem, não acreditavam que o Vitinho tinha conseguido ir e voltar. Diziam que era impossível. Nem ônibus passava.
Desde que me lembro, o Vitinho sempre teve carro. O primeiro acho que foi quando trabalhava no BMG (Banco de Minas Gerais) e foi logo depois que serviu o exército. E desde então sempre teve carros. Vários modelos e marcas. O mais legal pra mim foi a Caravan. Minha mãe sempre dizia que ele corria muito com o carro e, as vezes que andei com ele, corria mesmo. Ele sempre dizia que era um ótimo motorista, que sabia o que estava fazendo.
Que ele eh um ótimo motorista todos sabem, mas dirigir naquela estrada de lama, ida e volta, com chuva, o carro deslizando para os lados, batendo em barrancos, para resgatar nossos pais e irmã, foi um feito arriscado, mas que nunca pode ser esquecido. Porque só os heróis conseguem.
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